"Este texto foi escrito em Nampula, no dia 09 de setembro. Somente agora
decidi socializar."
Hoje, ao conversar com o amigo Matola ouvi esta frase que ecoou nos meus
ouvidos e não abandou minha memória. Estávamos a caminhar pelas ruas de Nampula,
capital da província com o mesmo nome e conversávamos sobre a situação social que
se apresentava aos meus olhos.
Nesta postagem, falarei do cotidiano, mas não de belas paisagens ou
pitorescas ações e sim de um cotidiano que nos entristece: a pobreza. Nampula é
a segunda cidade de país. Como em toda cidade grande, temos a oportunidade de
ver o grave problema da distribuição desigual de renda. Logo após nossa chegada
ao hotel, fomos caminhar em busca de um restaurante e, depois de saciada nossa
fome, fomos caminhando até a feira local. Esta feira ocorre somente aos
domingos e é famosa por vender o que se posso imaginar: de móveis novos a
roupas e calçados usados.
No caminho ao restaurante me deparei com uma criança, dormindo sobre um
banco de paragem de machimbombo (ponto/ parada de ônibus). Pelo aspecto há inúmeros
dias não sabe o que é um banho e pelo jeito largado de dormir ao calor de quase
30 graus, devia estar há um bom tempo sem alimentar-se.
Durante nossa caminhada vimos mais miséria a, teimosamente, surgir aos
nossos olhos de estrangeiros. Não que não haja miséria no Brasil, há sim, mas
parece que aqui é mais profunda, dói mais! Passamos por um local que não sei se
posso classificar como favela ou bairro. Só sei que não há nenhuma infraestrutura
e saneamento: ruas sem pavimentação, cobertas por águas servidas e muito lixo.
Neste cenário, algumas crianças a brincar descalças e com pouca roupa. Como
sobrevivem a tanta sujeira?! É um a incógnita! Mais adiante vejo as casas e
mais lixo espalhado pelas ruas. Claro que não há nenhum container de recolha de dejetos. Em Maputo vemos muitos espalhados,
pelas ruas, mas em Nampula não consegui ver nenhum!
Chegamos a feira, uma multidão a caminhar e outros a tentar vender seus
produtos, muitos pirateados (invasão chinesa). Roupas, utensílios domésticos,
móveis, comida artesanato, capulanas, etc. Para irmos a esta feira, fomos
avisados para não usarmos bolsas e ter dinheiro aparente, pois são comuns os casos
de roubos, em especial aos de fora, facilmente reconhecidos. E lá fomos nós a
olhar. A feira é organizada em setores e isto facilita a caminhada. Muita
gente, muitas línguas diferentes, muito calor e muita poeira! Para amenizar o
incômodo da poeira ruas os vendedores molham a terra, aí fica uma laminha fina.
Sinceramente não sei o que é pior!
Para nós, estrangeiras e brancas (Sim, aqui sou branca!) os preços quadruplicam.
Basta perguntarmos um preço e logo percebemos o vendedor a calcular o quanto
irá nos extorquir. Como já sabemos desta característica, todos os estrangeiros
aprendem a arte da pechincha. Um colar de cem meticais sai por cinquenta.
Comprei, por cem meticais, uma capulana que iniciou a negociação em duzentos e
cinquenta. E assim vamos a descobrir a arte do menor preço. Uma boa dica é ir
sempre com um moçambicano.
Na volta mais passamos por vendedores de comida; peixe seco, cheios de
moscas a e vendedoras de uma comida frita que parece bolinho de chuva, mas,
sinceramente, jamais provarei para saber se é! Os tais bolinhos brilham ao sol
e sabe-se lá em que condições foram fritos. Ficam expostos ao sol, a poeira e a
tal laminha de que falei. Como diria um pónei maldito: que nojinho!. Não sei
como conseguem sobreviver a tanta falta de condições de higiene. Me entristeço
ao pensar nisso!
Outro momento que entristeceu é ver muitas crianças a trabalhar nesta feira:
vendedores de sacolas plásticas, de artesanato, comida, roupas, etc. Crianças e
jovens que tem sua infância roubada pela miséria. Apesar da minha vivência, não
consigo achar natural estas situações. É aí que vem a frase do Matola: Vês com
os olhos do coração.
Como ver isto e não ficar fazer uma reflexão?! Que características têm os
seres humanos para deixarem seus irmãos passarem por situações de privações enquanto
descansam confortavelmente em seus lares? Como ficar alheio a miséria, a fome (violências
simbólicas) e a falta de condições mínimas de vida urbana? Talvez esteja assim
após a leitura de um livro de Mia Couto, no qual ele levanta exatamente esta
questão: após tanto sofrimento do povo moçambicano (colonização) agora tem que
se entender entre si.
Espero, do fundo do coração, que este povo consiga sair deste estado de
desequilíbrio social. Acredito que para tal muitos haverão de lutar e trabalhar
arduamente em programas sociais e governamentais. Quem vê a miséria de erro é
capaz de entender a importância de um programa social de distribuição de renda.
Fico feliz por saber que tenho a oportunidade de colaborar na reconstrução
desta nação que estou aprendendo a sentir como minha. Hoje posso dizer que sou
brasilicana (uma mistura de brasileira com moçambicana).
Pai, sei que você não tinha o mesmo pensamento romântico que tenho, talvez
você nem concordasse com as minhas palavras, mas este é o meu sentimento após a
caminhada domingueira. Amanhã sairei da capital rumo aos distritos e sei que
verei muito mais necessidades. Espero que meu velho coração aguente o tranco!
Mais uma vez, despeço-me de todos a moda moçambicana: fiquem bem!