quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A vida tem dessas coisas...


Hoje foi o último dia do trabalho de campo. Após as visitas, fizemos o workshop e deu tudo certo. Que alívio! Confesso que estou suuuuuuuper cansada!
Nessas andanças contabilizamos 15 hotéis que podemos classificar desde 5 estrelas apagadas à 4 estrelas normais. Passamos por tudo: hotel sem água, sem luz, sem água e luz, com atendente bêbada (Esse foi o mais engraçado, pois cada vez que ela servia às mesas dava um entradinha no balcão e tomava um gole!), mosquitos, colchão duro, colchão mole, ar condicionado split, ar condicionado antigo e barulhento, com ventoinha (ventilador), sem ventoinha (um calor infernal!). Enfim: de tudo um pouco. Muita história engraçada, eu e Marisete criamos o “Guia Quatro Rodas Quebradas: o pior das estradas”!

Concluímos nossa odisseia hoteleira num local muito simpático, uma espécie de hotel fazenda, afastado da cidade. Nosso quarto é meigo: todo rosa! Parece uma casinha, tem até jardim na frente. O quarto tem uma parede também pintada de rosa. As camas têm lençóis lilases e rosas, muito meigo, tudo combinando com meu celular que é rosa e branco. É praticamente uma misto do quarto da Barbie com a Hello Kitty! rsssss

Mas… nada é perfeito! Hoje, pela manhã, na correria de deixar tudo pronto para o workshop, saí do quarto, às presas, e deixei meu celular sobre a cama. Fui buscar na hora do intervalo e não encontrei. Pensei: deve estar jogado na bolsa! Voltei a sala, revirei a bolsa  e nada! Na hora do almoço, descobri que fui roubada. Liguei para o aparelho e estava desligado! Cheguei no quarto, revirei tudo: travesseiros, lençóis, cama, bolsas e nada do aparelho! Fiquei super chateada, pois além do valor financeiro nele tenho todos os meus contato telefônicos do Brasil e de Moçambique. Um transtorno!
Foi uma confusão! Falei com a gerente, esta chamou as funcionárias que vieram prontamente ao meu encontro na busca pelo celular. Reviramos o quarto (mais uma vez), uma delas trouxe a bolsa para que eu olhasse. Tirou tudo de dentro, uma situação muito chata! Neste momento três funcionários se entreolhavam e diziam que nunca havia ocorrido roubo antes no hotel. Perguntaram se eu tinha certeza de ter deixado no quarto, etc.
Após este episódio, desisti do celular e fui para o restaurante, pois tinha que almoçar para poder fazer a palestra final do encontro.
Chegando lá, comentei o ocorrido com um colega de viagem. Este logo teve uma ideia e me disse que o celular ia aparecer. Confesso que fiquei apreensiva! Menos de uma hora depois, a gerente me chamou e pediu para que eu a acompanhasse, pois os funcionários disseram que haviam encontrado o famoso celular.
Saí e… surpresa: o celular estava no meio de um canteiro de flores!!!! Logo na entrada da sala de conferências. O chip ao lado, a tampa entreaberta e a bateria colocada ao contrário. Um verdadeiro mistério, pois o aparelho estava na cama e foi parar no jardim! Seria magia?!
Agora vamos aos esclarecimentos. Meu amigo, meu herói, combinou com a gerente a seguinte história: ela deveria reunir o grupo de funcionários e dizer que se o celular não aparecesse, todos iriam, nesta mesma tarde, a um feiticeiro muito poderoso. Este descobriria facilmente quem havia furtado o aparelho. Parece piada, mas não é! As pessoas por aqui morrem de medo dos feiticeiros, com isto, o autor ou autora (não sabemos), pegou meu celular e jogou no jardim para ficar parecendo que eu havia perdido. É mole!?
 
E assim termina minha história de hoje, encontrei meu celular e ainda ganhei do hotel uma capulana! Ficam aqui meus sinceros agradecimentos aos heróis do dia: Alfredo Gomes e Juliana Novela (Esse é o sobrenome dela, juro!).
Com esta, aprendi mais uma coisa sobre Moçambique: os feiticeiros resolvem tudo, mesmo quando não são convocados. Rsssss
Meus sinceros agradecimentos ao herói desta história: Alfredo Gomes, trajando sua camiseta do Flamengo. Papai iria aprovar.
Como dizem por aqui: estamos juntos!

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Domingo, 21 de outubro - Última parada: Macossa


É pai, nem eu nem você imaginamos que eu iria para tão longe! Quando me lembro da minha infância, me recordo de uma enciclopédia sobre os animais e muitas vezes lemos (eu e meu pai) sobre os animais da África. Jamais imaginei que chegaria até aqui! Hoje, após 45 dias de viagem, chego ao meu último destino desta primeira visita de trabalho a Moçambique: o distrito de Macossa, na província de Manica. Foram vários quilômetros, aproximadamente seis mil, percorridos por via aérea (até as capitais provinciais) e via terrestre (até os distritos e escolas). Ao total, foram cinco províncias, dez distritos e doze escolas foram visitadas. Entretanto o que vi, senti e ouvi não tenho como mensurar!

Nas estradas, a caminhos de nossos destinos, tive a oportunidade de ver muita coisa: paisagens verdes e áridas, povoações praticamente no meio do nada, muitas pessoas (mulheres e crianças) a caminhar em busca de água, machambas (roçados) produtivos, queimadas, escolas a beira da estrada, casas de alvenaria e material local (caniço, barro, cobertura de palha ou chapas de zinco), captação de água da chuva, etc. Comunidades familiares, com um marido com várias esposas e inúmeros vivendo em uma pseudo harmonia. Conversei com uma família deste estilo e eles falam com muita naturalidade sobre a poligamia!

Na verdade, para a decepção do Yan Maurício, só não vi leões! Os únicos animais selvagens que vi estavam no Kruger Park, na África do Sul. Nos países africanos, os animais selvagens ficam nas reservas, que são parques nacionais.

São muitas experiências e histórias para contar. Assim como no Brasil, em Moçambique temos uma diversidade de climas, paisagens, hábitos e culturas. Há uma grande diferença entre as regiões centro, norte e sul. A começar pelas línguas locais. São tantas que fiquei perdida! Dos cidadãos mais velhos dos distritos poucos falam português. Entendem, mas não falam. Durante os encontros e reuniões tivemos que contar com intérpretes! Nas capitais isso não ocorre Nelas, o português é mais falados, mas as línguas nacionais (assim são conhecidas) também fazem parte do cotidiano da população.

Também existem enormes diferenças entre as capitais e os distritos. Parece que mudamos de país a cada localidade. Nas capitais, a vida urbana em nada se difere do que conhecemos, a não ser pelas mulheres com suas capulana e seus filhos amarrados às costas. No mais: carros, comércio, crianças na rua, pedintes, etc.

Quando chegamos aos distritos percebemos as diferenças, a iniciar pelas moradias e pelas bichas (filas) de mulheres a esperar para bombear água e levar às sus casas. Nos distritos o tempo é mais lento. Em muitos momentos me vinha a memória a música Vilarejo, da Marisa Monte. Porém, na música a vida é mais poética. Na prática, sinceramente, não vi poesia, mas sim muito trabalho e sacrifício. Em alguns momentos me sentia no meio de um filme do Tarzam (Não o desenho da Disney. Quem nasceu na década de 60 deve lembrar de ver filmes do Tarzam na TV)!

Que povo forte e lutador! As condições de vida são precárias, localidades sem água canalizada e sem energia elétrica, mas não se vê fisionomias de desânimo! Incrível!

Uma coisa vi em comum nas escolas e distritos: a paixão das crianças em serem fotografadas! É muito engraçado: bastam ver a máquina para iniciarem com as poses e a perseguição (no bom sentido). Praticamente não consegui fazer fotos ao natural, pois quando me viam, paravam o que estavam a fazer e ficavam imóveis, a espera do clik da máquina. Quando ouviam, muitas corriam, felizes a contar as outras! E, quando eu agradecia os sorrisos se abriam. São muito lindas: negras como a noite, com os sorrisos brancos, iluminados e o olhar vivo. Impossível não sair encantada com eles. Dá vontade de cuidar de todos: um bom banho, boas roupas, sandálias para os pés descalços, etc. Meu lado maternal ficou ainda mais aguçado!

Pois é, ainda tenho muita coisa para contar! Tentarei escrever um pouco sobre cada região, mas para isto preciso voltar a Maputo para poder pesquisar algumas das coisas que vi e poder contar a todos com seriedade. Afinal, o objetivo deste blog é conversar com meu pai e meus amigos. Para tanto, é necessário saber o que se fala!

Na próxima semana estarei de volta a capital do país que, agora, no meu novo olhar, é um outro Moçambique, com um misto de África e Europa. Estou com saudade das ruas e dos meus passeios pelos jardins. Voltarei com força total e muita disposição para escrever. Volto ao trabalho de gabinete, agora conhecendo a realidade do país para o qual estou ajudando a implementar um programa de alimentação escolar.

Despeço-me ao jeito moçambicano: estamos juntos!
Última escola visitada nesta missão: EPC Nhamagua

sábado, 13 de outubro de 2012

Pai, descobri que você foi um baobá!


A primeira vez que soube da existência dos baobás, foi na leitura do livro o Pequeno Príncipe. Creio que boa parte dos brasileiros, também! Na minha memória vem a imagem do livro. Meu primeiro contato foi com um resumo realizado por minha primeira professora, Sra. Terezinha. Ela resumiu, copiou os desenhos e fez para cada aluno um exemplar mimeografado (Quem é jovem não conseguirá compreender: mimeógrafo é uma espécie de copiadora, na qual fazia-se o original numa matriz e as cópias, rodando uma manivela. Se procurar no oráculo Google deve-se encontrar alguma foto).

Voltando as minhas memórias, até hoje consigo ver o desenho do baobá: imponente com o principezinho olhando admirado. Muito anos depois, vi um baobá, ao vivo, em Natal. Naquele momento, não me lembrei do livro e nem me surpreendi com a imponência da árvore. Vi mais um no Rio Grande do Norte, em Nísia Floresta, mesmo assim não me causou grande emoção.

Hoje, estou na África, na província de Tete, em Moçambique e, por aqui, os baobás são em grande número e com um nome diferente: embomdeiro. Aqui me emocionei com a árvore! Por aqui são inúmeras! É imponente, resistente, com uma base enorme. Desde que cheguei aqui fotografei vários e descobri muita coisa sobre eles.

Além da frondosa sombra, os baobás, também fornecem a folha (calambe) e o fruto (malambe) para consumo humano. Pois é: saboreei um delicioso iogurte de malambe. Lembra o sabor do umbú.

Viajando pelas estradas de Tete e fotografando baobás, observei que as pessoas utilizam seu tronco como banco, praça para conversas, banca para venda de produtos, etc. Também extraem a casca do tronco para fazer lenha e retiram a fibra para fazer corda. Tem várias utilidades.

Hoje, no meu dia de descanso, passei o dia em frente a um belíssimo baobá e pensei muito no meu pai. Sempre que paro converso em pensamento com ele, pois fico imaginando o que ele diria das minha andanças por este país. Se fosse compará-lo com uma árvore, certamente seria um baobá: forte, frondoso, resistente, não tomba por pouca coisa. Meu pai era assim e buscou nos educar para sermos fortes, eu, meu irmão e minha filha (que, para ele, era filha também).

Quando criança, o via como um gigante: forte, expressão séria, mas com um sorriso franco. Juro que hoje vi o baobá sorrir pra mim e neste sorriso vi a franqueza, a firmeza de caráter e a felicidade em ser sombra e praça, ou seja, ter sempre pessoas ao seu redor.

Assim foi papai, um tronco forte, no qual pude me apoiar inúmeras vezes na vida. Mesmo quando fazia cara feia para as minhas asneiras, eu sentia que podia em recostar no seu tronco forte.

Assim como o baobá ele foi muito resistente a vida inteira. Lutou com a doença, resistiu o quanto pode, só tombou quando já não havia jeito. Tenho um orgulho muito grande em ser sua filha.

É, pai, você foi um baobá forte, que deu bons frutos. Fica em paz, pois teus malambes estão pelo mundo, fazendo, a partir do teu exemplo, o melhor que podemos em nossos trabalhos e com nossas famílias. Obrigada por tudo!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Talvez eu seja o último romântico nos litorais deste Oceano Índico...


Ah, os casamentos! Não resisti em parafrasear o Lulu Santos, este texto merece!

Para quem não sabe, sou romântica! Já sei, não parece! Só quem me conhece bem pode perceber. Mas, agora, confesso publicamente: sou romântica sim! Pronto, falei!

Desde que cheguei, há quatro meses, que coleciono fotos de casamentos moçambicanos. Vou explicar. Por aqui os casamentos ocorrem de uma maneira bem diferente da nossa. As cerimônias, geralmente, ocorrem pela manhã e, logo após, todos saem em cortejo para algum local no qual serão tiradas fotos para o típico álbum de casamento. O local escolhido pode ser numa praia ou num jardim. É uma comitiva: os noivos, seus pais, damas e pajens e muitos convidados. A comitiva mais curiosa que vi foi num supermercado: os noivos entrando com as daminhas e o cinegrafista na frente a registrar a entrada! Infelizmente fiquei com vergonha de fotografar.

A primeira vez que vi estes cortejos foi na praia, em Maputo, entretanto era bem restrito, somente os noivos e seus pais. Não me chamou muita atenção, a não ser pelo fato de todos caminharem na direção do mar, numa passarela de cimento.

Depois disto, fui presenteada numa manhã de domingo com três casamentos. Estes foram o máximo! Estava eu um dos meus passeios domingueiros,  a pensar na vida, quando ouço um coro a cantar em um língua incompreensível. Fiquei curiosa e fui em direção ao som. Logo ao chegar vi a cena: o casal e muitos convidados, creio que padrinhos (as mulheres estavam com a mesma roupa), em fila a cantar. Fiquei intrigada e fotografei. Em alguns momentos paravam de caminhar e ficavam a cantar e dançar!

Quando achei que já havia visto tudo, ouço um novo coro! Voltei e vi entrar no Jardim dos Namorados o casal (ela vestida de branco, véu, grinalda, buquê, etc) e muitas pessoas em fila, atrás nos noivos, a cantar e a  dançar. Fiquei mais encantada. Não se intimidavam aos olhares curiosos dos visitantes estrangeiros do parque. Continuaram a cantar e a dançar. Um coro afinado, bem ensaiado, lindo! Enquanto ficavam cantando os noivos iam fazendo as fotos. Nisto são iguais a nós, as fotos bem tradicionais de álbum de casamento. Todos participam das fotos: família, padrinhos e convidados.

Enquanto este cortejo seguia seu caminho pelo parque, ouvi mais música, do lado de fora. Fui olhar, pois já me sentia uma paparazzi (risos). Fui muito legal! Vi chegarem os carros, com os convidados cantando e desciam dançando e cantando. Uns jovens fizeram uma roda e começaram a dançar. Muito animados! A mim lembrou dança tribal. Este foi o casamento mais chique, percebia-se pelo vestido da noiva e das damas. E que família animada: não paravam de dançar e cantar! Filmei tudo! Irresistível! A única coisa chata é que não entendia nada do que cantavam. Uma das convidadas veio falar comigo. Expliquei que era brasileira e que estava achando tudo muito lindo e perguntei se cantavam em Changana*. Ela me confirmou.

Em agosto, numa visita a praia de Xai-Xai, me deparo com outro casamento! Lógico que fotografei! Daí ter iniciado o texto afirmando ser uma colecionadora de fotos de casamento. Estes estavam na areia da praia. As fotos certamente ficarão lindas, pois usaram o azul do oceano índico como fundo. Amei!

Um mês depois, de volta a Xai-Xai fui passar um domingo na praia. Já cheguei brincando sobre casamentos. Não demorou muito veio o primeiro! Família tímida, caminharam, fotografaram e saíram rápido. Um tempo depois chegou outro cortejo, muito animado! Cantaram, caminharam, fotografaram. Algumas convidadas, muito jovens, arriscaram a molhar os pés nas águas do ïndico. E eu lá, a fotografar! Para mim é simplesmente irresistível! rsssss

E então, sou ou não uma romântica incorrigível?! Só me falta agora encontrar o tal príncipe encantado e pedir a Deus para que, desta vez, não vire sapo. Afinal, como diria meu pai, ninguém merece dois sapos na vida!

Beijos a todos os apaixonados e apaixonantes,

Meus agradecimentos especiais a meu colega de trabalho e professor da cultura e etiqueta moçambicana, Marcelino Matola, pelas explicações dadas acerca dos casamentos   

*Changana é a língua nativa dos habitantes do sul do país. Praticamente todos são bilingues: falam changana e português. Entretanto, na intimidade, preferem o Changana.